Trexo retirado do livro Outras Ondas de Fred D' Orey
Já
vi esse filme. No começo a namorada dá a maior força. Ela tem orgulho
de namorar um cara saúde que pega onda. Ela faz questão de incentivar
porque sabe que ele volta feliz da vida depois das ondas. Ela adora
praia, o cara surfa - foram feitos um para o outro. Depois, com o passar
do tempo, a atitude muda. Ela até gosta que o cara surfe, mas... "tem
que ser o tempo todo? Dá pra falar de outra coisa? Não dá pra gente
fazer um programa diferente?" É o início do fim.
Ou do namoro
do casal, ou do surf do cara. Porque as coisas evoluem de tal forma que,
com raríssimas exceções, pranchas e namoradas acabam por se tornar
rivais. E basta olhar em volta pra perceber quem está vencendo. Surf só
no final de semana. Só em determinadas praias. Só em determinados
horários. Acordos são feitos. "Fim de semana em Saquarema (melhor onda
do Brasil!) nem pensar. Em São Conrado (melhor esquerda do Rio!) eu não
vou nem morta, aquela praia é um lixo. Domingo tem que voltar antes do
almoço com a mamãe."
Uma surf trip por ano com os amigos e olhe
lá. E com isso a barriga dele vai crescendo, sua cor ficando cinza, e
os olhos vão perdendo o brilho... Tem uma cena no filme 'A Praia',
quando o Leonardo Di Caprio vira pra menina, depois de deixá-la
fascinada com algumas bobagens que ele falou sobre as estrelas, e diz
mais ou menos assim: "agora você tá achando tudo lindo, mas as mesmas
coisas que te fascinam no começo vão te entediar no final". O cara tava
falando de uma verdade quase universal sobre os relacionamentos. Mas
podia estar falando especificamente de surf.
Me toquei disso
porque outro dia fui pegar onda com a Ana e depois da sexta checada em
quatro praias diferentes (fazer o que? Moro no brasil, onde o mar quase
sempre é uma bomba), ela, levemente impaciente, arriscou: "aqui tá bom.
Porque a gente não fica logo aqui?". Tá bom? Como assim tá bom? Você
entende de surf desde quando? E tratei de explicar que surf é uma das
coisas mais importantes da minha vida. Que trabalho pra burro. Que tenho
pouco tempo. E que tenho que escolher direitinho minha caída. E mais
importante, e que isso fique bem claro, se tiver dando onda eu vou
correr atrás do melhor surf. Sempre! E se ela quiser vir comigo vai ter
que ser paciente. Se não tiver saco pode ficar em Ipanema com as amigas.
Mulheres de surfistas são muito sortudas (levantem as mãos pros céus).
Elas vão pra praia. Elas vão pra Prainha. Elas vão pra Guarda. Elas vão
pra Bali. O som quase sempre é bom. A comida quase sempre é saudável.
Surfistas procuram por praias sem muito vento, sem muita gente. Que tal
namorar alpinista e se ver toda amarrada de cabeça pra baixo? Que tal
namorar ciclista e ficar se esbaforindo pedalando atrás do cara? Que tal
namorar um tenista e passar o fim de semana no clube? Que tal namorar
um windsurfista e perseguir o vento, quanto mais vento melhor, e ficar
mofando dentro do carro? Ou um lutador de jiu jitsu e acompanhar de
perto seus treinos na academia, enquanto ele fica se pegando com outro
orelhudo suado?
Nunca entendi direito o porque dessa
metamorfose feminina. Talvez por uma necessidade ancestral de controlar e
reduzir o macho apenas a sua condição de provedor familiar. Talvez por
egoísmo. Talvez por falta de bom senso. Mas nem todo mundo tem vocação
pra ovelha. Os australianos, por exemplo, que fazem parte da maior nação
surf do planeta trataram desse assunto com seu peculiar humor
escrachado estampando em camisetas os seguintes dizeres- "minha namorada
mandou eu escolher entre ela e a prancha. Pena, vou morrer de saudade
dela".
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Vc e essa sua mania de premeditar os problemas... Ensina a Ana a surfar!! ;o)
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